Assédio Moral

"Assédio Moral é toda e qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude...) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou a integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho" (HIRIGOYEN).

"Assédio moral é a deliberada degradação das condições de trabalho através do estabelecimento de comunicações não éticas (abusivas) que se caracterizam pela repetição por longo tempo de duração de um comportamento hostil que um superior ou colega(s) desenvolve(m) contra um indivíduo que apresenta, como reação, um quadro de miséria física, psicológica e social duradoura" (LEYMANN).

O assédio moral é revelado por atos e comportamentos agressivos que visam a desqualificação e desmoralização profissional e a desestabilização emocional e moral do(s) assediado(s), tornando o ambiente de trabalho desagradável, insuportável e hostil. Contudo, independentemente da definição, o importante é compreender que o assédio moral se caracteriza pelo abuso de poder de forma repetida e sistematizada.
É importante ressaltar que apesar dos fatos isolados não parecerem violências, o acúmulo dos pequenos traumas é que geram a agressão. Surge e se propaga em relações hierárquicas assimétricas, desumanas e sem ética, marcadas pelo abuso do poder e manipulações perversas. O cerco contra um trabalhador ou mesmo uma equipe pode ser explícito ou direto, sutil ou indireto.

Um dos elementos essenciais para a caracterização do assédio moral no ambiente de trabalho é a reiteração da conduta ofensiva ou humilhante, uma vez que, sendo este fenômeno de natureza psicológica, não há de ser um ato esporádico capaz de trazer lesões psíquicas à vítima. Como bem esclarece o acórdão proferido no TRT da 17ª Região, "a humilhação repetitiva e de longa duração interfere na vida do assediado
de modo direto, comprometendo sua identidade, dignidade e relações afetivas e sociais, ocasionando graves danos à saúde física e mental, que podem evoluir para a incapacidade laborativa, desemprego ou mesmo a morte, constituindo um risco invisível, porém concreto, nas relações e condições de trabalho”.

Segundo Resolução 1488/98 do Conselho Federal de Medicina, para o estabelecimento do nexo causal entre os transtornos de saúde e as atividades do trabalhador, além do exame clínico (físico e mental) e os exames complementares, quando necessários, deve o médico considerar a história clínica e ocupacional, decisiva em qualquer diagnóstico e/ou investigação de nexo causal; o estudo do local de trabalho; o estudo da organização do trabalho; os dados epidemiológicos; a literatura atualizada; a ocorrência de quadro clínico ou subclínico em trabalhador exposto a condições agressivas; a identificação de riscos físicos, químicos, biológicos, mecânicos, estressantes, e outros; o depoimento e a experiência dos trabalhadores; os conhecimentos e as práticas de outras disciplinas e de seus profissionais sejam ou não da área de saúde (Artigo 2° da Resolução CFM 1488/98).

Há jurisprudentes que afirmam que não há necessidade de se constatar um dano psíquico para caracterizar um assédio moral, pois há pessoas que são mais resistentes (resilientes) e não ficam deprimidas, mas mesmo assim há o assédio moral, pelo simples fato de haver agressões (diretas ou sutis) contra determinada pessoa por um período de tempo, no local de trabalho. Então, é passível de culpa, o agressor, e de pena.

Atitudes do agressor que caracterizam assédio moral:
- atitudes que deterioram as condições de trabalho
- negar informações pertinentes ao trabalho que a pessoa (vítima) executa
- atitudes para isolar a pessoa
- gestos ou palavras que atentam contra a dignidade da pessoa
- fofocas e boatos a respeito da pessoa
- ameaçar dispensá-la do trabalho, sem justa causa
- violência verbal, física ou sexual
- constantemente pedir realização de tarefas que não tenham relação com a função da pessoa, com o intuito de humilhá-la
- deixar a pessoa trabalhar em local com condições físicas degradantes
- dar instruções confusas e imprecisas
- bloqueio ao trabalho e a atribuição de erros imaginários
- ignorar a presença do funcionário na frente de outros
- pedir trabalhos urgentes sem necessidade
- mandar o trabalhador realizar tarefas abaixo de sua capacidade profissional
- fazer comentários maldosos em público
- não cumprimentar
- impor horários injustificados ou forçar o trabalhador a pedir demissão
- impedir o trabalhador de almoçar ou conversar com um colega
- retirar o material necessário à execução do trabalho (fax, computador, telefone)

Posturas discriminatórias proferidas especificamente contra trabalhadores adoentados e acidentados que retornam ao trabalho e que podem vir a ser caracterizadoras de assédio moral. São elas:
- Colocar o trabalhador em local sem nenhuma tarefa e/ou não lhe dar tarefa.
- Colocá-lo sentado, separado dos demais trabalhadores por paredes de vidros, de onde fica olhando-os trabalhar.
- Não fornecer ao trabalhador (ou retirar-lhe) todos os instrumentos de trabalho.
- Isolar os adoecidos em salas denominadas dos 'compatíveis'.
- Estimular a discriminação entre os sadios e adoecidos, chamando-os perjorativamente de 'podres, fracos, incompetentes, incapazes'.
- Diminuir salários do trabalhador quando este retorna ao trabalho.
- Demiti-lo após a estabilidade legal.
- Impedi-lo de andar pela empresa.
- Telefonar para a casa do funcionário e comunicar à sua família que ele ou ela não quer trabalhar.
- Controlar suas idas a médicos
- questionar acerca da conversa em outro espaço.
- Criar obstáculos quando ele decide por procurar médicos fora da empresa.
- Desaparecer com seus atestados. Exigir o Código Internacional de Doenças (CID) em seu atestado como forma de controle.
- Colocar guarda controlando entrada e saída e revistando as mulheres.
- Não permitir que converse com antigos colegas dentro da empresa
- Colocar um colega controlando o outro colega, disseminando a vigilância e desconfiança.
- Dificultar-lhe a entrega de documentos necessários à concretização da perícia médica pelo INSS.
- Omitir doenças e acidentes
- Demitir os adoecidos ou acidentados do trabalho

No Brasil temos uma particularidade sociocultural, facilitadora do assédio moral. Pedagogos e filósofos como Paulo Freire e Leonardo Boff; historiadores como Caio Prado, Raymundo Faoro, Sérgio Buarque de Holanda e Darcy Ribeiro; economistas como
Celso Furtado e Francisco de Oliveira; sociólogos como Florestán Fernandes e Otávio Ianni, antropólogos como Roberto da Matta e Lívia Barbosa; administradores como Guerreiro Ramos, Prestes Motta, entre outros; todos afirmam que a base da cultura brasileira é o engenho, reconhecendo a relevância das relações sociais estabelecidas na Casa Grande e a Senzala. A ambiguidade dessas relações propiciou o "jeitinho brasileiro", que faz com que o conflito seja omitido e a situação dos privilegiados perpetuada. A convivência normal com as relações hierárquicas caracterizadas por
uma grande concentração de poder faz com que seu abuso seja socialmente aceito. Desta forma, a elite representante da "casa grande" continua a controlar e dominar a população, perpetuando nas empresas brasileiras relações paternalistas com envolvimentos ambiguamente cordiais (afetivos e autoritários/violentos)que poderíamos equiparar com as fases da sedução perversa e manifestação da violência, respectivamente, do assédio moral.

Quem são e como são os assediadores:

O assediador pode ser uma pessoa ou um grupo de pessoas. O referencial bibliográfico é unânime em apontar o perfil do assediador moral como o de uma pessoa “perversa”, que se utiliza dos mecanismos perversos para se defender. É uma pessoa com uma personalidade narcisista que ataca a auto-estima do outro, transferindo-lhe a dor e as contradições que não admite em si mesmo: o seu ego é tão grandioso quanto a sua necessidade de ser admirado e a sua falta de empatia. Como não está apto a superar a solidão que o separa do mundo, dirigindo o amor para fora de si, é insaciável em sua busca de gratificação, sentindo intensa inveja das pessoas que são felizes e têm prazer com a própria vida.
A crise existencial cerca o destino do narcisista, impulsionando-o a procurar uma
vítima da qual possa absorver a vida. Incapaz de reconhecer sua culpa e responsabilidade pelo mal que causa a si mesmo, o narcisista transfere esse sentimento para a vítima que passa a destruir moralmente: primeiro a contamina com sua visão pessimista do mundo, até induzi-la à depressão, depois passa a criticá-la pelas suas fraquezas. O perverso só consegue existir e ter uma boa auto-estima humilhando os outros.

O assediador tem sentimento de autossuficiência e singularidade; exagera na avaliação de suas próprias realizações e talentos; costuma fixar-se em fantasias de sucesso, poder, inteligência superior e beleza; tem tendência ao exibicionismo; e tem suscetibilidade ou intolerância à crítica.

Muitas vezes o objetivo do assediador é massacrar alguém mais fraco (que ele considera ou que realmente o é), cujo medo dele gera conduta de obediência, não só da vítima, mas de outros empregados que se encontram ao seu lado. Ele é temido e, por isso, a possibilidade de a vítima receber ajuda dos que a cercam é remota. A meta do perverso, em geral, é chegar ao poder ou nele manter-se por qualquer meio, ou então mascarar a própria incompetência. O importante para o assediador é o domínio na empresa, é controlar os outros.

Há diferenças entre o assediador e a assediadora. O homem assediador adota comportamentos mais passivos, isolando a vítima. Já a assediadora utiliza-se de murmúrios e insinuações, embora esses comportamentos sejam também utilizados pelos homens.

Alguns perfis de assediadores:
1. Profeta: Considera que sua missão é demitir indiscriminadamente os trabalhadores para tornar a máquina a mais enxuta possível. Para ele demitir é uma “grande realização”. Gosta de humilhar com cautela, reserva e elegância.
2. Pit-bull: Humilha os subordinados por prazer, é agressivo, violento e até perverso no que fala e em suas ações.
3. Troglodita: É aquele que sempre tem razão. As normas são implantadas sem que ninguém seja consultado, pois acha que os subordinados devem obedecer sem reclamar. É uma pessoa brusca.
4. Tigrão: Quer ser temido para esconder sua incapacidade. Tem atitudes grosseiras e necessita de público para recebê-las, sentindo-se assim respeitado (através do temor que tenta incutir nos outros).
5. Mala/ babão: É um “capataz moderno”. Bajula o patrão e controla cada um dos subordinados com “mão de ferro”. Também gosta de perseguir os que comanda.
6. Grande Irmão: Finge que é sensível e amigo dos trabalhadores não só no trabalho, mas fora dele. Quer saber dos problemas particulares de cada um para depois manipular o trabalhador na “primeira oportunidade” que surgir, usando o que sabe.
7. Garganta: Vive contando vantagens (apesar de não conhecer bem o seu trabalho) e não admite que seus subordinados saibam mais que ele.
8. Tasea (“tá se achando”): É aquele que não sabe como agir em relação às demandas de seus superiores; é confuso e inseguro. Não tem clareza de seus objetivos, dá ordens contraditórias. Se algum projeto ganha os elogios dos superiores ele apresenta-se para recebê-los, mas em situação inversa responsabiliza os subordinados pela “incompetência”.

A vítima do terror psicológico no trabalho não é o empregado dissidioso, negligente. Ao contrário, os pesquisadores encontraram como vítimas justamente os empregados com um senso de responsabilidade muito grande, são pessoas ingênuas no sentido de que acreditam nos outros e naquilo que fazem; são geralmente pessoas bem-educadas e
possuidoras de valiosas qualidades profissionais e morais. De um modo geral, a vítima é escolhida justamente por ter algo mais. E é esse algo mais que o perverso busca roubar. As manobras perversas reduzem a auto-estima, confundem e levam a vítima a desacreditar de si mesma e a se culpar. Fragilizada emocionalmente, acaba por adotar
comportamentos induzidos pelo agressor. Seduzido e fascinado pelo perverso, o grupo não crê na inocência da vítima e acredita que ela haja consentido e, consciente ou inconscientemente, seja cúmplice da própria agressão.

A vítima em potencial é aquela que leva o agressor a sentir-se ameaçado, seja no cargo ou na posição perante o grupo. A vítima é, normalmente, dotada de responsabilidade acima da média, com um nível de conhecimento superior aos demais, com uma auto-estima grande e, mais importante, acredita piamente nas pessoas que a cerca.

Perfil dos que sofrem assédio moral no trabalho:
- Trabalhadores com mais de 35 anos
- Os que atingem salários muito altos
- Saudáveis, escrupulosos, honestos
- As pessoas que têm senso de culpa muito desenvolvido
- Dedicados excessivamente ao trabalho, perfeccionistas, impecáveis, não hesitam em trabalhar nos fins de semana, ficam até mais tarde e não faltam ao trabalho mesmo quando doentes
- Não se curvam ao autoritarismo, nem se deixam subjugar
- São mais competentes que o agressor
- Pessoas que estão perdendo a cada dia a resistência física e psicológica para suportar humilhações
- Portadores de algum tipo de deficiência
- Mulher em um grupo de homens
- Homem em um grupo de mulheres
- Os que têm crença religiosa ou orientação sexual diferente daquele que assedia
- Quem tem oportunidades por ser especialista
- Aqueles que vivem sós
- Mulheres casadas e/ou grávidas e/ou que têm filhos pequenos.

Consequências do assédio moral para a empresa:

Custos tangíveis:
- Queda da produtividade;
- Alteração na qualidade do serviço/produto;
- Menor eficiência;
- Aumento do absenteísmo;
- Doenças profissionais;
- Acidentes de trabalho;
- Danos aos equipamentos;
- Alta rotatividade da mão-de-obra, gerando aumento de despesa com rescisões contratuais, seleção e treinamento de pessoal;
- Aumento de demandas trabalhistas com pedidos de reparação por danos morais;
- Mais retrabalho;
- Menor produtividade das testemunhas.

Custos intangíveis:
- Abalo na reputação da empresa perante o público consumidor e o próprio mercado de trabalho;
- Deficientes relações com o público;
- Sabotagem por parte do assediador, do assediado e dos colegas testemunhas;
- Resistência a cumprir as normas entre os trabalhadores;
- Menor criatividade;
- Perda da motivação;
- Menos iniciativa;
- Clima de tensão;
- Surgimento do absenteísmo psicológico (estar, mas não estar).

Além destes danos, a prática do assédio moral pode gerar processo judicial. "O artigo 483 da CLT autoriza o trabalhador a postular em juízo as indenizações correspondentes às violações do contrato, por incumprimento, por parte de seu empregador, podendo, também, acumular outros pedidos indenitários resultantes da relação de trabalho, tais quais, por exemplo, a indenização a que está obrigado, quer resultante de dano moral (assédio sexual, assédio moral, dano pessoal) e ou em caso de infortúnio ao trabalhador, como expressamente previsto pelo art. 7º, inciso XXVIII (seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa). Não há que se falar sequer que os
créditos trabalhistas resultantes da resilição contratual autorizada pelo dispositivo celetário indicado já cubra também a indenização decorrente do assédio moral. Este entendimento encontra-se já superado pelos reiterados pronunciamentos do C. STF, no sentido de que é acumulável a indenização por dano material, com a de dano moral" (SALVADOR).

RESPONSABILIDADE DO RH E DA DIREÇÃO:

O assédio moral dissemina-se bastante quanto mais desorganizada e desestruturada for a empresa, ou ainda, quando o empregador e o RH fingem não vê-lo, toleram-no ou mesmo o encoraja. Outrossim, instala-se especialmente quando o diálogo é impossível e a palavra daquele que é agredido não consegue fazer-se ouvir. Daí a importância da implantação de um programa de prevenção por parte da empresa, com a primazia do diálogo e da instalação de canais de comunicação. Para tanto, é indispensável uma reflexão da empresa sobre a forma de organização de trabalho e seus métodos de gestão de pessoal.
O RH deve criar, na empresa, espaços de confiança para que possam as vítimas dar vazão às suas queixas. Tais espaços podem ser representados por esquemas de ouvidoria ou comitês formados nas empresas, especialmente indicados para receberem denúncias sobre intimidações e constrangimentos, garantindo-se sempre o sigilo das informações, ou, ainda, por caixas postais para as vítimas depositarem denúncias, de forma anônima.

Vamos combater este mal! Só quem já foi ou é vítima de assédio moral sabe o quanto custa!